Baba Yaga
AUTOCONHECIMENTO
Monica Baliu
5/4/20242 min read
Não tenho medo de Baba Yaga, sinto que nunca tive.
Um dia, ela me convidou para um chá e entrei em sua cabana.
A cabana era metodicamente desarrumada, tinha um aspecto aterrorizante, era escura, úmida, fétida. Cheia de trapos sujos e bichos rasteiros, viscosos, sorrateiros e perigosos.
De vez em quando eu entrevia pequenos ossos pelos cantos. Um pezinho aqui, algumas costelas amontoadas no chão próximo a uma poltrona rasgada, uma mãozinha com alguns dedos faltando no meio de panos sujos. Numa prateleira havia um pote com olhinhos piscando em desespero e em cima da pia um vidro com duas pequenas orelhas.
Sentei-me sobre um banquinho feito de pele humana e Baba Yaga, com um sorriso maligno, me serviu um chá com um cheiro esquisito.
Sua figura impressionava. Estava coberta de verrugas, sua pele parecia um couro de tão grossa e seca. Os poucos dentes eram pretos e estavam desgastados de tanto comer sapos e pedras.
Nada nela era natural, tinha um andar arrastado, jeito truculento, fala impositiva e desafiadora. Voz fria e desagradável. Agia como se desconfiasse de tudo e estivesse sempre pronta para atacar.
Mesmo assim não tive medo…
Talvez porque, enquanto mexia meu chá com um dedo de criança como colher, eu olhava bem no fundo dos olhos de Baba Yaga.
Havia ali uma energia destrutiva e vingativa brilhando no interior de suas órbitas. Um buraco infinito que parecia conter uma ira imensa e flamejante, dirigida contra tudo e contra todos.
Determinada, continuei olhando e mergulhei em seu interior.
Encontrei raiva, muita raiva. Uma raiva doída que se debatia e transformava em desespero e temor.
Continuei o mergulho. Comecei a perceber sentimentos de frustração e perplexidade. E ao me aprofundar mais encontrei uma criança desesperada, rejeitada e sozinha.
Uma criança que de tão mal tratada se quebrou inteira. Estilhaçada, rompeu-se em mil pedaços que foram espalhados por uma casa escura.
Que foi esquecida pelo mundo e por si mesma.
Coloquei minha xícara sobre a mesa e me dirigi para Baba Yaga.
A abracei.
No início ela ficou imobilizada e atônita pelo susto dessa reação tão inesperada. Mas em seguida reagiu. Se debateu. Me arranhou com suas unhas afiadas.
Mantive meu abraço.
Me xingou, cuspiu, lançou feitiços sobre mim que fizeram minha pele arder e se abrir em chagas.
Apertei mais forte ainda.
Aos poucos Baba Yaga foi cedendo. Diminuindo seus ataques. Relaxando o corpo que parecia minguar em meus braços.
Fui a envolvendo ainda mais, sustentando aquela estranha transformação até que percebi que Baba Yaga não estava mais lá.
Em seu lugar havia uma criança muito frágil que me olhava com um sorriso confiante e que estava totalmente entregue à minha proteção.
E agora, Baba Yaga também não tinha mais medo de mim.